Há poucos dias, vi uma imagem que me chamou atenção: um trench coat branco, minimalista, ajustado com uma renda antiga no lugar do cinto, daquelas rendas que todo mundo já viu em casa de vó, entre panos de prato bordados e guardanapos guardados há anos.
Nada novo, mas fazia muito sentido!
Logo depois, li uma matéria sobre jovens ucranianas transformando tecidos domésticos em roupas: aventais virando blusas, toalhinhas de crochê ganhando forma de saias.
Um tipo de reaproveitamento estético que, à primeira vista, parece só criativo mas carrega uma série de camadas.
E, claro, pelo meu espírito observador (e um pouco teimoso), fiquei com vontade de entender o que está por trás desse comportamento. Por que isso voltou a chamar atenção agora?
O que isso revela sobre como as novas gerações estão olhando para moda, memória e valor?
Aqui está a imagem, e vale reparar com atenção: paninhos de cozinha, sousplats e rendas decorativas, tradicionalmente usados em mesas postas ou como enfeites domésticos.

Na imagem à esquerda:
Toalhinhas rendadas, bordadas à mão ou à máquina. Típicas de enxovais antigos, aquelas que costumavam decorar aparadores ou ficar embaixo de louças "para visita". Coisas que ficaram por anos esquecidas em armários, entre a utilidade e o apego.
Na imagem à direita:
Um trench coat branco da marca LIME aparece com o cinto substituído por uma dessas toalhinhas. Um gesto simples e intencional que transforma algo doméstico em styling. Gosto justamente porque usa o que já existia, desloca de lugar e cria outra leitura.
Esse tipo de escolha diz muito sobre o momento atual, em 2025 transformar panos de cozinha, guardanapos e rendas em roupa deixou de ser só estética "criativa" e virou resposta clara a um cenário saturado: tudo muito limpo, muito correto, muito previsível.
O valor está no que escapa: no caseiro, no imperfeito, no que não foi feito para ser roupa, mas virou. Bordados tortos, crochês desalinhados, costuras manuais tudo que seria corrigido numa produção em escala agora é o que gera desejo.
As novas gerações entenderam algo que muitas marcas ainda ignoram: não é preciso dominar a técnica nem ter acesso ao luxo tradicional para criar valor, o que importa hoje é a intenção por trás do gesto e, acima de tudo, a capacidade de transformar o banal em código de estilo.
É uma estética que parte do improviso, sim, mas que tem algo de propositalmente irônico, elas pegam o que antes era símbolo de cuidado doméstico e colocam na rua, no look, no feed, para reorganizar os signos. É uma forma de dizer:
posso criar com o que quiser inclusive com o que vocês consideravam descartável
No fundo, é menos sobre “fazer moda” e mais sobre mexer na hierarquia do que merece atenção estética, e isso, no atual cenário de excesso, é um movimento que incomoda. Por isso funciona.
O QUE DIZEM OS DADOS
Não é só impressão, esse movimento tem nome, números e alcance, no TikTok e no Pinterest, que funcionam hoje como verdadeiros termômetros estéticos das novas gerações, hashtags como #crochetlacefashion ultrapassaram 220 milhões de visualizações em 2024, com crescimento contínuo em 2025.
E o dado mais interessante não é só a quantidade, mas o tipo de conteúdo que viraliza: vídeos de reaproveitamento doméstico, processos manuais, roupas feitas a partir de panos de mesa, cortinas antigas, trilhos de crochê.
A microestética batizada de #tableclothcore, que gira em torno de usos criativos de panos, bordados e rendas, já se consolidou como linguagem própria dentro da moda digital.
Ela mistura nostalgia, ironia e sensibilidade doméstica com styling contemporâneo.
E tem gerado engajamento real, especialmente entre mulheres jovens, que passaram a enxergar no “pano da vó” uma forma legítima de expressão visual.
Segundo o Pinterest Predicts 2025, estilos com texturas artesanais como "airy styles", “lace accents” e peças com aparência de feitas à mão estão entre os tópicos mais salvos na categoria moda com destaque para mulheres entre 18 e 34 anos.
A leitura é clara: há uma valorização crescente do detalhe imperfeito, do toque manual, do real.
A renda e o crochê estão “em toda parte”, sendo usados por marcas de luxo, estilistas independentes e criadores de conteúdo, com destaque para o seu retorno como elemento estratégico de estilo.
A RENDA EM 2025
É só olhar com atenção: das marcas de luxo às mais comerciais, a renda e o crochê voltaram a aparecer com força, nem sempre como protagonistas, mas como detalhes bem posicionados, pensados para criar contraste, textura, pausa.
O universo handmade está sendo traduzido de formas diferentes: delicadeza, com pegada mais urbana e isso amplia as possibilidades de uso, o que me interessa, em 2025, é justamente essa liberdade estética: ver a renda fora do lugar esperado, inserida em contextos onde ela quebra a lógica do look.
Penso, por exemplo, em um trench coat verde militar fechado com um lenço de crochê antigo na cintura. A peça continua funcional, reta, mas o detalhe muda o tom.
Tem algo nesse contraste entre força e fragilidade que funciona perfeitamente.
Em 2025, a renda não reforça estereótipos e talvez seja por isso que continue relevante porque está aprendendo a se mover entre estilos, sem perder seu poder de detalhe.

COMO AS MARCAS ESTÃO TRADUZINDO ESSA ESTÉTICA
Separei três marcas: Magda Butrym, The Row, Zara, que interpretam a renda de formas muito diferentes e todas extremamente relevantes para entender os caminhos que essa estética vem tomando:
1. Magda Butrym
A Magda continua traduzindo a sensualidade do Leste Europeu como poucas, bustiers com bojo de crochê estruturado, mangas rendadas que moldam os ombros com uma precisão quase erótica, vestidos que combinam pontos florais delicados com cortes retos, quase severos, gosto dessa mistura de erotismo e engenharia.

Magda Butrym
2. The Row
Aqui, a renda aparece de forma ainda mais intencional como acabamento de uma peça sobreposta, provavelmente uma combinação de vestido e saia em camadas, sob um suéter oversized cinza. Ela tem um desenho floral delicado, feito provavelmente em algodão, com bicos irregulares que se projetam para fora da silhueta.

The Row
3. Zara
Já a Zara, do lado comercial da cadeia, incorporou a renda em várias propostas, aqui alguns exemplos: ela como acabamento ornamental e estrutura visual ao mesmo tempo, presente nas alças, na barra da blusa, nas laterais e na barra do short, mas com um toque leve, desenho floral da renda delicado, com transparência.

ZARA
A composição toda remete ao loungewear mas com ares solares, de liberdade e descanso, vejo uma estética que remete ao romantismo naturalista, novamente com a ideia de vestir o que antes era “de ficar em casa” como linguagem de bem-estar, autocuidado e expressão pessoal.
UM NOVO OLHAR PARA O QUE SEMPRE ESTEVE LÁ
O retorno da renda em 2025 não é um acaso estético é um reflexo direto das mudanças de percepção que vêm moldando o comportamento de consumo das novas gerações, há um desejo evidente por peças que comuniquem mais do que acompanhem tendência. Que tragam camadas, texturas, contrastes. Que criem ruído.
As marcas mais atentas entenderam o movimento. Sabem que hoje não basta vender roupa bonita, é necessário capturar os códigos que respondem a uma sensibilidade coletiva.
E a renda responde seja pela memória, pela textura, pelo contraste ou pelo valor de pausa que ela insere em meio ao excesso.
E NO BRASIL?
A renda tem história no Brasil, mas em 2025 ela volta a aparecer de outro jeito: como detalhe inteligente. Um toque artesanal que chama atenção, diferencia o produto e cria valor. E isso pode ser uma boa oportunidade para marcas que querem sair do óbvio.
O que funciona?
Peças simples com recortes pontuais de renda: uma camisa de algodão com punhos trabalhados, um vestido de linho com um barrado vintage, um jeans com aplicação manual.
Essa mistura entre o básico e o elaborado atrai o olhar e tem potencial comercial, é o tipo de peça que se destaca sem parecer forçada.
As marcas que trabalham com produção menor, ateliês locais e reaproveitamento de materiais têm uma vantagem natural.
Usar rendas antigas, retalhos de enxoval, fazer parcerias com rendeiras: tudo isso transforma técnica tradicional em diferencial contemporâneo. Além de agregar valor, ainda conta uma bela história.
Três caminhos interessantes que vejo para crescer com renda agora:
Customização sob medida: aplicar renda em peças do próprio cliente com mais conexão e menos estoque parado.
Detalhes versáteis: lenços, laços, golas, cintos, acessórios fáceis de usar e com apelo afetivo.
Edições limitadas com história: peças cápsula feitas com rendas garimpadas em lugares específicos, com foco na narrativa.
E você, o que acha das rendas da vovó na moda?
Com carinho,
Noe