A Skims, marca de Kim Kardashian, Emma Grede e Jens Grede fez um lançamento polêmico no segmento de beleza há alguns dias: o The Ultimate Face, um acessório de compressão facial feito com o tecido modelador, característico da marca, e fios de colágeno. Segundo a Skims, o produto foi desenvolvido para oferecer suporte ao queixo e ajudar a “modelar e esculpir” o contorno do rosto. Em pouco tempo, o lançamento alcançou forte repercussão e se destacou nas vendas.

Comentário no Instagram da Skims
Esperei alguns dias para consolidar a repercussão com o público e fiz um estudo a partir de uma amostra dos comentários na primeira publicação de lançamento do The Ultimate Face no Instagram da Skims.
O que encontrei me surpreendeu!
A conversa não se limitou ao simples “gostei” ou “não gostei”. Foi mais profunda:
“Esta é a coisa mais idiota que eu já vi.”
“Pare de causar inseguranças nas mulheres.”
“Arruinou a imagem corporal de todas nós.”
Houve espaço até para o humor: Anthony Hopkins, em um vídeo que viralizou, vestiu a máscara imitando Hannibal Lecter.

Outros foram diretos:
“Eu comprei na Amazon por £4.”
De fato, modelos semelhantes estavam listados na Amazon e na Shein por uma fração do preço. A diferença? O peso do nome Skims e a imagem de Kim Kardashian.
Essa ausência de justificativa técnica, combinada com o fator de exclusividade e o apelo aspiracional, criou um paradoxo fascinante: o produto gerou mais questionamentos do que respostas. Mas justamente por isso, não saiu das conversas ou da timeline de ninguém.
Resumo do meu estudo dos comentários
Cerca de 80% das interações são negativas ou irônicas.
Os poucos comentários positivos são mais de curiosidade.
E, mesmo assim, o estoque desapareceu em pouco tempo.
O que isso revela claramente? Que, para uma parte do público, o produto físico é quase irrelevante. O que se compra é pertencimento: o direito de dizer “eu tenho o lançamento da Skims”. A sensação de estar dentro de uma conversa global, de participar de um momento de cultura pop.
O desejo aqui não é pelo colágeno, é pela assinatura social que vem no pacote. Ou seja, é mais importante a palavra da Skims que a palavra de um médico. Isso é gigante. E também assustador.
O que a Skims comunica oficialmente

Site Skims
A marca não promete resultados permanentes ou clínicos, isso é importante.
Usa termos vagos e amplos como “shaping” (modelar) e “sculpting” (esculpir) que podem se referir a um efeito momentâneo.
Não afirma que o produto muda a estrutura facial ou estimula colágeno de forma comprovada.
Do ponto de vista legal, isso é uma estratégia de comunicação segura: não há promessa mensurável que possa ser facilmente questionada por órgãos reguladores.

Instagram da Skims
Onde está o problema?
Mesmo sem mentir, a Skims joga com a ambiguidade. Ela se apoia:
No desejo do consumidor por um efeito mais duradouro do que o produto realmente entrega.
No status da marca e de Kim Kardashian para dar credibilidade, mesmo sem comprovação científica.
Na estética do anúncio (minimalista, high-fashion) para associar o produto à inovação e alta performance, sem dizer isso diretamente. Como comentei acima, produtos similares são vendidos na Shein, amazon etc.
E aqui entra o debate ético quando uma marca vende algo sabendo que a expectativa criada é maior que a entrega, ainda que sem afirmar nada diretamente, ela se apoia mais no marketing aspiracional do que na eficácia real.
Por que isso é estratégico (e não ilegal)
Kim e Skims entendem que o valor do produto está tanto no efeito simbólico (viralidade, status, estética) quanto no físico.
Ela não quer competir com dispositivos médicos ou estéticos certificados, mas sim com produtos de moda e lifestyle, onde a experiência conta mais que a função.
Isso faz parte de um modelo de negócios pensado para viralizar: o buzz gera vendas rápidas, antes que a discussão sobre eficácia se estabilize.
Ela não está “errada” no sentido legal, mas opera num limite ético e comunicacional. O que ela vende é um conceito e uma experiência aspiracional, não um resultado clínico, e isso é algo que a marca sabe explorar muito bem.

Skims
O olhar sobre o futuro
Outro dia vi uma matéria muito interessante da WGSN sobre a Geração Alfa. Desde cedo, os nascidos entre 2010 e 2025, são expostos a conversas sobre autocuidado, alimentação saudável e saúde emocional. A forte influência de seus pais, aliada ao amplo acesso a informações, ajudou a moldar seus desejos em relação ao bem-estar e à beleza.
Devido à exposição constante a telas, ao estresse e ao estilo de vida acelerado, é sabido que a puberdade tem chegado cada vez mais cedo do que nas gerações anteriores, especialmente para as meninas.
Essa geração é a primeira totalmente nativa digital, construindo seus referenciais de consumo e autocuidado a partir de vozes percebidas como autênticas e confiáveis nas redes sociais e em comunidades online. Esse público espera que as marcas atuem também como educadoras, traduzindo temas complexos (saúde, estética, bem-estar) de forma clara, acessível e responsável.
O desafio de manter relevância a longo prazo
Quando um produto é lançado sem explicações detalhadas e sem contextualizar seu propósito e impacto, ele se torna apenas mais um item no mar de tendências virais. Para um público hiperconectado e crítico como a Geração Alfa, isso pode soar raso ou desconectado das suas expectativas de transparência e propósito.
No caso da Skims, o The Ultimate Face se esgotou em pouco tempo. Isso mostra a força da marca e da influência de Kim Kardashian no presente, mas abre uma pergunta estratégica: como justificar essa mesma força no futuro, quando as próximas gerações priorizarem marcas nas quais possam realmente confiar? O sucesso rápido hoje não garante relevância amanhã se não houver uma ponte clara entre desejo e confiança.
Eu sou totalmente a favor de apostar em um futuro onde as marcas ajudem genuinamente mais pessoas a migrarem do consumo por impulso para um consumo com consciência. Onde a decisão de compra vem acompanhada de perguntas como:
De onde vem este produto?
O que ele realmente entrega?
Qual o impacto que ele tem sobre mim e sobre o mundo ao meu redor?
Buscar esse tipo de aperfeiçoamento, começando pelo interior pela autoestima, pelo autoconhecimento, pela clareza sobre o que realmente precisamos não significa abandonar o desejo ou o prazer estético, mas entender que o valor de um produto não se limita àquilo que ele promete no espelho.
O impacto da voz de Kim Kardashian
Quando olhamos para o alcance que Kim tem sobre novas gerações, é impossível ignorar o peso dessa voz. Ela fala e milhões escutam. Ela posta e o mercado se move. É uma força cultural capaz de mudar conversas, hábitos e até valores.
E justamente por isso eu penso: o que acontece quando esse poder é usado quase exclusivamente para vender? Não para formar pensamento crítico, não para inspirar autonomia, mas para reforçar padrões e criar novas urgências de consumo.
Não é ingenuidade pensar que, no fim, o objetivo de qualquer negócio é lucrar. Mas é ceticismo reconhecer que, quando se tem esse nível de influência, a linha entre gerar desejo e moldar mentalidades é muito mais fina e muito mais poderosa do que parece.
Meu recado final aqui
O ponto não é exigir que Kim ou qualquer celebridade se torne educadora ou ativista, (sou pro da liberdade e não do cancelamento!). É perceber que, no vácuo de vozes confiáveis, figuras assim acabam sendo referência por padrão, eu consigo enxergar isso mas a maioria das pessoas não.
O timing, o buzz, o posicionamento… tudo milimetricamente calculado para vender, no caso da Skims, é inegável: mas a marca é uma máquina de vendas e lucratividade estrondosa, e isso é admirável desde o lado corporativo!
Mas é justamente por entender tão bem esse jogo que, hoje, me questiono:
até que ponto isso é visionário e estratégico a longo prazo?
Marcas mais preocupadas com o lucro do que com educar, apoiar e ser transparentes podem até brilhar nos números, mas ficam expostas quando o assunto é significado.
Visionária ou é hora de desacelerar, Kim?
Pela primeira vez, começo a questionar o poder visionário da marca.